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segunda-feira, 15 de março de 2010

"Vocês têm que fazer qualquer coisa"...

Fotografia de Em@
©
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Eu não queria, hoje, voltar a falar em perdas e nas dores que acompanham as mesmas. É que têm sido muitas nestes últimos dias e o mês de Março é um mês em que eu , pessoalmente , perdi muito dos que amei e ainda amo ( o meu pai e o meu sobrinho entre eles)...
No entanto, ao abrir o painel do meu blogue li este relato no blogue homónimo do Octavio Goncalves e no do Movimento Promova, e como tal, não tinha como não ampliar. Isto, porque eu sei, como todos nós professores sabemos, que por mais fortes que sejamos, há momento em que fragilizamos e que na vida diária numa escola (mesmo nas mais "normais") se não tivermos o apoio dos que connosco dividem o espaço, as tarefas, o gosto e o tempo, é mutio difícil encontrarmos o reequilíbrio.
É por isso que eu bato sempre na e contra a palavra indiferença.
É esta que mata.
É esta que deixa morrer muitos dos que nos acompanham tanto fisicamente como nos próprios sonhos.
Para que deixemos de olhar para a janela.
Para que passemos a olhar mais para o espelho e a pôr-mo-nos no lugar do outro, reblogo, com os devidos créditos:

"Um testemunho impressionante do Paulo Ambrósio a propósito do colega Luís que não aguentou a pressão de uma escola pública tolerante com a indisciplina e a má educação.
É trágico que a escola possa constituir uma ameaça ao equilíbrio de pessoas "boas e sensíveis".
Para ler, reflectir e actuar.
Memórias esparsas do Luís
O Luís era uma daquelas pessoas já raras, porque digna, guiado por princípios e valores, exigente consigo próprio, tímido e muito metido com ele (era difícil arrancar-lhe um sorriso). Aos 51 anos, "solteirão", ainda contratado - o professorado é a única profissão em Portugal onde isto ainda acontece! - veio até nós, no decurso da luta pela Profissionalização, contexto onde convivi com ele directamente durante cerca de três anos.
Portador de Habilitação Própria, foi eleito em Lisboa, em Plenário para a Comissão de Contratados, em 2004. Participou activamente em todos os protestos e acções reivindicativas da nossa Frente de Trabalho do SPGL, que levaram à conquista do Despacho nº 6365/2205 (profissionalização em serviço em ESE's e Faculdades). Era conhecido entre nós pelo ”freelancer" (alusão à sua segunda ocupação de jornalista eventual). Dotado de forte sensibilidade em relação ao mundo da informação e da comunicação social, propôs e pedia frequentemente, nas nossas reuniões, que os sindicatos encarassem esta frente (relações públicas) com outros olhos, mais eficazmente. A partir de 2006, não se recandidatou mais à
nossa comissão de contratados.
Encontrei-o mais tarde nas mega-manifestações de professores: estava na Escola EB 2,3Ruy Belo, e achei-o disposto a não entregar os Objectivos Individuais, um verdadeiro problema de consciência moral, para ele.
Depois disso, mais uma ou duas vezes, espaçadamente. Soube que tinha sido colocado na EB2,3 de Fitares, mas pouco mais.
No passado dia 11 de Fevereiro, revi-o pela última vez, em Oeiras, já deitado no caixão na capela
mortuária. Conversei longamente com a mãe, a irmã, a empregada doméstica. Vêm-me à memória as palavras do pai, militar aposentado: "o Luís era bom moço, quis ser bom até ao fim, só que não aguentou o inferno das escolas de hoje... Vocês têm que fazer qualquer coisa!"
O Luís nos, últimos tempos, já tinha tomado friamente a decisão, inabalável. Por isso, não creio que nesse período, tenha pedido ajuda a ninguém. Segundo me disseram familiares, no velório, pela consulta do histórico do seu PC, ele, um mês antes e se lançar da ponte, consultava sites sobre suicídio, na internet. Escolheu o dia da sua morte coincidindo com a data de aniversário do pai, com o qual, aliás, se dava bem.
O ambiente no velório foi impressionante, pela dignidade, revolta interior e tristeza da cerimónia, com alguns professores presentes, num silêncio de cortar à faca, só rasgado por frases em surdina, de justo ódio, visando os políticos responsáveis pela situação a que nos últimos anos chegou o Ensino Público. Foi, sem dúvida, dos velórios mais tocantes em que estive até hoje, mesmo estando já habituado a duras perdas, e tendo estado na semana anterior, noutro, de um familiar directo. Quando escrevi no livro de condolências o que me ia no
espírito, tive dificuldade em o fazer, a cortina de lágrimas teimava em desfocar-me as letras.
Pessoalmente, decidi manter silêncio durante um mês, por respeito ao pesado luto da família, só o quebrando depois da irmã dele (nossa colega, também) o ter feito, decorridos cerca de trinta dias, com a divulgação da notícia à comunicação social, para assim tentar evitar que outros casos se repitam, colocar toda a verdadeira dimensão das depressões e suicídios profissionais à luz do dia, rasgar o manto hipócrita dos silêncios assassinos e abalar as consciências de toda a sociedade.
Paulo Ambrósio - membro da Comissão de Professores
Contratados e da Frente de Professores e Educadores Desempregados do SPGL desde
1999 "
RIP
Nota: Resolvi puxar o post mais para cima. É importante que o mesmo seja lido pelo maior númerod e pessoas possível.

Quero, ainda, acrescentar que achei uma falta de respeito atroz, invocarem a "fragilidade psicológica " do colega. Tivesse ele as condições necessárias para o exercício da nossa função que é ensinar e ele não se teria sentido humilhado e entrado numa espiral de tamanho sofrimento, que escolheu ir de encontro à única coisa que temos certa nesta vida.

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