Testemunho sobre José Saramago
Todas as palavras
José Luís Peixoto escreve sobre o Nobel, a propósito de As Intermitências da Morte, na edição JL 915, de 26 de Outubro de 2005
A obra de Saramago não precisa das minhas palavras. Os seus livros, imperturbáveis perante todas as vozes exteriores, continuarão sempre a ser espaços onde a história que a humanidade tem conseguido construir continuará a ser revisitada sob o ponto de vista das suas mais diversas regras, lógicas e ilógicas. Nos seus romances, o mundo continuará a ser o espelho apontado à própria humanidade, como se o criador fosse caracte-rizado pela sua obra, da mesma maneira que o escritor deverá, ou deveria, ser caracterizado apenas por aquilo que escreve.À margem de todas as palavras, Memorial do Convento será sempre um romance histórico inovador no contexto da literatura mundial; O Ano da Morte de Ricardo Reis será sempre um labirinto construído sobre outro labirinto, a forma brilhante, brilhante, como acção se aproxima de um tempo real, a consolidação do autoritarismo em Portugal, alimentando-se da própria acção, a heteronímia; A Jangada de Pedra ou Ensaio sobre a Cegueira continuarão sempre a ser dois dos enredos mais bem imaginados da literatura portuguesa; nas páginas de Evangelho Segundo Jesus Cristo nunca se apagará a descrição detalhada da morte dos mártires, nos primeiros anos do cristianismo.
Eu ou qualquer outra pessoa poderá dizer o que quiser, mas os livros continuam. Nas páginas de Saramago, a vontade e a esperança da humanidade continuarão a ser confrontadas com o peso, tantas vezes esmagador, dessa História que se escreve com maiúscula. A ironia precisa e o mi-nucioso trabalho da linguagem continuarão. O confronto entre o imaginário puro e o realismo continuarão. Totalmente indiferentes aos elogios e a todas as críticas, os livros, imperturbáveis, continuam sempre.
Nota:
Partilhado pelo José Luís Peixoto, na sexta-feira, dia 20 de Junho de 2010, pelas 15:02
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