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sexta-feira, 18 de junho de 2010

In Memoriam: José Saramago

fotografia de Daniel Mordzinski

"Um texto recente, publicado em O Caderno (Caminho/Fundação José Saramago, 2009, pg.33):

BIOGRAFIAS

Creio que todas as palavras que vamos pronunciando, todos os movimentos e gestos, concluídos ou somente esboçados, que vamos fazendo, cada um deles e todos juntos, podem ser entendidos como peças soltas de uma autobiografia não intencional que, embora involuntária, ou por isso mesmo, não seria menos sincera e veraz que o mais minucioso dos relatos de uma vida passada à escrita e ao papel. Esta convicção de que tudo quanto dizemos e fazemos ao longo do tempo, mesmo parecendo desprovido de significado e importância, é, e não pode impedir-se de o ser, expressão biográfica, levou-me a sugerir um dia, com mais seriedade do que à primeira vista possa parecer, que todos os seres humanos deveriam deixar relatadas por escrito as suas vidas, e que esses milhares de milhões de volumes, quando começassem a não caber na Terra, seriam levados para a Lua. Isto significaria que a grande, a enorme, a gigantesca, a desmesurada, a imensa biblioteca do existir humano teria de ser dividida, primeiro, em duas partes, e logo, com o decorrer do tempo, em três, em quatro, ou mesmo em nove, na suposição de que nos oito restantes planetas do sistema solar, houvesse condições de ambiente tão benévolas que respeitassem a fragilidade do papel. Imagino que os relatos daquelas muitas vidas que, por serem simples e modestas, coubessem em apenas meia dúzia de folhas, ou ainda menos, seriam despachados para Plutão, o mais distante dos filhos do Sol, aonde de certeza raramente quereriam viajar os investigadores.

Decerto se levantariam problemas e dúvidas na hora de estabelecer e definir os critérios de composição das ditas “biobliotecas”. Seria indiscutível, por exemplo, que obras como os diários de Amiel, de Kafka ou de Virginia Woolf, a biografia de Samuel Johnson, a autobiografia de Cellini, as memórias de Casanova ou as confissões de Rousseau, a par de tantas outras de importância humana e literária semelhante, deveriam permanecer no planeta onde haviam sido escritas para que fossem testemunho da passagem por este mundo de homens e mulheres que, pelas boas ou más razões do que tinham vivido, deixaram um sinal, uma presença, uma influência que, tendo perdurado até hoje, continuarão a deixar marcadas as gerações vindouras. Os problemas surgiriam quando sobre a escolha do que deveria ficar ou enviar ao espaço exterior começassem a reflectir-se as inevitáveis valorações subjectivas, os preconceitos, os medos, os rancores antigos ou recentes, os perdões impossíveis, as justificações tardias, tudo o que na vida é assombração, desespero e agonia, enfim, a natureza humana. Creio que, afinal, o melhor será deixar as coisas como estão. Como a maior parte da melhores ideias, também esta minha é impraticável. Paciência."

Notícia no Público, Diário de Notícias, i, Jornal de Notícias, Sol, El País, El Mundo e New York Times.

Retirado daqui
Nota:
Obrigada, Idalino Moura.

6 comentários:

  1. Bela homenagem ao português dos ensaios...enquanto isso, vamos ensaiar de viver...
    um bom fim de semana!

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  2. Em@,
    Cala-se um poeta,nasce mais uma estrela no céu.
    Boas energias sempre,
    bjs
    Mari

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  3. Franck:
    A vida é a única coisa que não permite ensaios...
    Temos mesmo que vivê-la.
    1 bom fim-de-semana.

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  4. Mari:
    obrigada por se ter juntado a nós.
    Felizmente ele deixou muito mais obras de ficção, para além dos poucos livros de poesia que editou.
    beijo e boas energias.

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  5. Em@,

    Um grande homem...nâo tenho palavras ...
    Um bom fim de semana,
    Abraços,
    Marise.

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  6. Beijo, Marise.
    E obrigada por ter vindo.

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