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quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Esquecer as Artes e os Estudos Clássicos nos novos currículos é equivalente ao suicídio sociocultural - António e Hanna Damásio

Hanna e António Damásio fotografados por Tim Rue
Numa Conferência da Unesco realizada em Lisboa, em 2006, sobre “Arte e Educação”, António e Hanna Damásio abordando, com provas científicas, o tema “Cérebro, Arte e Educação”, provaram a importância das Artes e dos Estudos Clássicos nos currículos da Educação.
Destacam-se algumas premissas e as conclusões.

…a relevância das nossas reflexões vem do facto de sermos (eu e minha esposa Hanna) ambos cientistas e educadores e de que a ciência que praticamos, a neurociência cognitiva, lidar com a mente humana e com o cérebro humano na saúde e na doença. A educação é fundamental para cultivar a mente e o cérebro e à manutenção da sua saúde.
…as mudanças que estamos a viver neste momento e que têm sido postas em prática ao longo das últimas duas décadas podem ter uma maior dimensão e mesmo consequências mais profundas no Homem.
Estas mudanças são, sem dúvida, o resultado do progresso científico e tecnológico, na física, engenharia, biologia e informática, para citar apenas alguns.
Face a este estado de coisas inegável, faz todo o sentido que as nações invistam no ensino das "ciências e da matemática", o tipo de educação, como foi dito, que as novas sociedades mais precisam. Até agora,tudo bem. Quem pode argumentar contra mais ciência e matemática na educação?
O problema surge, entretanto, quando nos confrontamos com os defensores da ciência e da matemática a quererem reduzir as Artes e os Estudos Clássicos na educação.
Na nossa opinião essa posição é baseada numa estreita e errada avaliação da actual condição humana. A nossa previsão é que, de facto, um programa de educação é susceptível de agravar os males sociais que enfrentamos hoje. É também menos provável produzir indivíduos capazes de inovação sem um currículo mais equilibrado.
…apenas a matemática e a ciência não formam cidadãos.
Com o aumento da população, a aceleração da vida e os serviços sociais com diminuição dos orçamentos, as patologias sociais, como a toxicodependência e os gangs de jovens, florescem no contexto escolar. As escolas, e referimo-nos a professores e alunos, estão sob ataque. A falta de supervisão na vida das crianças em casa é hoje uma ocorrência frequente e não estamos a falar apenas nas populações carentes dos guetos urbanos. Estamos a falar de crianças da classe média quer das economias avançadas ou não tão avançadas.
Outra questão: a velocidade da circulação de informação tem aumentado drasticamente, enquanto a supervisão dos pais e da educação e da influência da autoridade, seja ela familiar, religiosa, ou política, tem diminuído ou estado completamente ausente.
…precisamos de estar cientes de que estas mudanças ocorreram e tiveram consequências graves na formação dos indivíduos.
…há uma separação crescente entre o processamento cognitivo e o processamento emocional.
…tudo o que tem ocorrido nos últimos 10 anos na neurociência cognitiva revela que esta divisão tradicional é totalmente injustificada. De facto as mentes humanas e os cérebros humanos resultam de um trabalho cooperativo muito complexo, de ambos os processos, os emocionais e os cognitivos. Nós precisamos de ambos. Quando pensamos como podemos fazer o melhor em termos de raciocínio e criatividade, percebemos que a emoção está, literalmente, no circuito da razão e da tomada de decisão. Não se pode ter um sem a outra, embora não constituam conjuntos diferentes de processos e habilidades e tenham uma origem diferente, em termos de evolução.
…a escala do tempo cognitivo, de facto, foi encurtada. Actualmente, enquanto as velocidades da cognição aceleram, o nosso processamento emocional não acelera paralelamente. O processamento emocional leva o seu próprio tempo, suave, para se organizar e reagir ao que está a acontecer no mundo. Esse é o caminho do nosso cérebro hoje. Estamos condenados, por enquanto, a ter um sistema do cérebro a evoluir muito mais rapidamente e com enorme adaptabilidade e um outro sistema que está a atrasar-se.
…o comportamento moral, da variedade que constitui uma base sólida para a cidadania requer a necessária participação da emoção.
A razão para isto ser assim, vem do facto de as emoções trabalharem como qualificadores das acções e das ideias. Temos duas faixas de processamento paralelas: uma em que temos ideias, pensamentos, planos de acção e acções concretas. E outra faixa, em que as emoções servem como qualificadores, funcionando como os “adjectivos" para o que está a acontecer em termos das ideias e das acções na outra faixa.
Um outro facto importante: a pesquisa actual indica que a própria base do desenvolvimento moral depende, do ponto de vista da evolução, de um conjunto de emoções sociais, que existe há muito tempo, provavelmente em todos os seres humanos ao longo da história da humanidade…
Gostaríamos de sublinhar que uma educação confinada à ciência e à matemática não resolveria este problema e poderia piorar a questão.
…um currículo que inclui educação artística e ciências humanas é um processo de introduzir exercícios morais em que a cidadania se baseia. A educação pelas Artes e Estudos Clássicos pode ser o terreno para o desenvolvimento de bons cidadãos. Porquê? Por exemplo, porque as narrativas sobre o conflito, sobre o sofrimento, sobre a alegria, sobre as ambiguidades do comportamento humano e sobre as decisões dolorosas exigidas pela justiça, podem ser representadas pela matemática e descritas pela ciência, por certas ciências, mas não podem ser exercidas pela matemática ou ciência, isoladamente.
Então, quais são as nossas conclusões neste momento?
Primeiro, a educação em ciências e matemática é realmente necessária. Precisamos delas para dominar os novos desenvolvimentos no fabrico, na comercialização e na distribuição das mercadorias. É impossível imaginar uma economia animada (certos de que cada cidadão confia no que estamos a dizer), sem se dar uma forte ênfase ao ensino da matemática e da ciência. Também, do ponto de vista puramente cultural, para compreendermos o mundo em que vivemos e não dependermos de superstições ou crenças infundadas, precisamos da matemática e das ciências.
Em segundo lugar, o ensino das Artes e Estudos Clássicos pode fornecer a estrutura moral que é necessária para uma sociedade saudável e é exigido pelas actuais alterações sociais.
E terceiro: a educação pelas Artes e Estudos Clássicos estimula realmente a imaginação que é necessária para a inovação. Sem a riqueza que vem da narrativa tradicional, os exercícios tradicionais e a experiência das Artes e Estudos Clássicos, é pouco provável que os seres humanos desenvolvam o tipo de imaginação e pensamento inovador e intuitivo que levará à criação do que é novo.
Esquecer as Artes e os Estudos Clássicos nos novos currículos é equivalente ao suicídio sociocultural.
António e Hanna Damásio
na Conferência da Unesco sobre Arte e Educação
Nota: Por cortesia do Miguel Loureiro que fez a tradução.
Muitos thankiús, Miguel.

6 comentários:

  1. Excelente texto. Não conhecia mas vem ao encontro das minhas preocupações sobre o currículo.

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  2. Olá,Ramiro.
    Pena é sermos tão poucos apensar assim...:(
    Abraço

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  3. Ema
    O texto publicado, como sabes, é um excerto/análise do texto original, que está todo traduzido. O completo é mais elucidativo, logicamente.

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  4. Miguel:
    Obrigada por falares nisso. Eu paodia ter posto uma nota e ainda o vou fazer remetendo para o link.

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